Por muito tempo se discutiu no Brasil sobre a necessidade de revisão e modernização da lei que cuidava dos instrumentos para solucionar situações financeiras difíceis no mundo das empresas. Entrou em vigor então no ano de 2005, mais precisamente no mês de Junho daquele ano, a lei 11101/05 que estabeleceu novos mecanismos para falências e recuperação de empresas e isso também determinou o fim da figura da concordata vigente até então, por exemplo.
Na opinião de especialistas a nova lei trouxe luz e um jeito mais eficaz para encaminhar soluções no relacionamento de devedores e credores, e ainda permitia viabilizar a superação da crise econômico-financeira do devedor mantendo a empresa operando, de certa forma preservando empregos e atendendo aos interesses dos credores para recebimento planejado dos valores vencidos e a vencer.
Além desses aspectos positivos o mercado aguardava que a nova lei de falências e RJ’s provocassem uma diminuição das taxas de juros cobrados pelas entidades financeiras, pois o novo instrumento legal mitigava os riscos associados à inadimplência e insolvência de empresas. Bem…é difícil medir que isso tenha de fato acontecido, mas como todos sabemos a taxa de juros no Brasil guarda muito mais relação com o piso de taxa definido pelo Banco Central – a taxa SELIC – a incidência de impostos e taxas (a tal de “cunha fiscal”) e com o equilíbrio entre oferta e procura de financiamento às empresas, certo? Então fica difícil acreditar em qualquer impacto favorável da lei 11101/05 no nível de taxa de juros que tornasse o custo do dinheiro mais barato em nosso país.
Depois de dez anos da lei de falências e recuperação judicial, hoje já se discute se não seria o momento de tomar outras iniciativas no sentido de aperfeiçoar o texto legal, pois a eficácia da lei no que se refere à verdadeira recuperação dos negócios parece ser limitada. Alguns até dizem que mais de 50% das empresas que obtiveram o deferimento no programa de recuperação judicial, no fim do dia, acabaram por encerrar as atividades e deixando de pagar aos credores.
Outra dúvida é sobre a limitação da lei 11101/05 a qual não considera os débitos fiscais e tributários (dívidas junto a governos), o que em muitas empresas representa a maior parte do passivo. Bem…muitas acabam esperando pelo REFIS – programa de recuperação fiscal – na esperança de obter “perdões” e/ou alongamento de prazo para pagar o débito fiscal. Isso já faz parte da estratégia dos maus pagadores ou daquelas empresas em dificuldade.
Segue breve histórico, e dados, sobre a lei de falências e recuperação judicial:
- A crise econômica brasileira, que está próxima de completar três anos, fez o número anual de solicitações de recuperação fiscal passar a média de 715 no período 2011/2013 para quase 1.400 entre 2014 e 2016. Vale dizer que em 2016 até setembro foram requeridas 1.479 RJ’s o que permite projetar quase 2.000 até dezembro se o ritmo for mantido;
- Historicamente 77% dos pedidos são aceitos e, portanto deferidos pela autoridade judiciária;
- As pequenas empresas – faturamento anual de até R$4 milhões de reais – representam 58% no volume de pedidos, enquanto as consideradas médias empresas – faturamento entre R$ 4 milhões e R$50 milhões – somam 27% e as grandes significam mais ou menos 15% do total de recuperações judiciais solicitadas;
- Ao longo dos dez anos de vigência da lei 11101/05 as pequenas empresas conseguiram, em média, obter deferimento em 69% de seus pedidos, enquanto as médias chegaram a 87% de aprovação do plano de recuperação e finalmente as grandes, na média, alcançaram 90% de deferimento;
O fato é que, bem ou mal, a lei de falências e recuperação judicial tal como estabelecida em meados de Junho de 2005 tem cumprido papel importante a muitos empresários na tentativa de dar sobrevida e, principalmente, permitir a total retomada dos negócios. Por outro lado convém aceitar que em outras tantas situações não há remédio!! Quer dizer os empreendimentos acabam por encerrar suas atividades e a adoção do programa de recuperação judicial simplesmente postergou a “morte anunciada”.
Em minha vida profissional, e principalmente desde a crise mundial de 2007 e 2008, vivenciei várias empresas não conseguindo cumprir o que foi estabelecido no plano de recuperação judicial original. É uma triste realidade. Alguns dizem que a taxa de insucesso supera 50% dos casos de RJ.
A pergunta: há recuperação do negócio após a RJ? Ou ainda há outra saída que não a recuperação judicial?
Eu diria que uma resposta assertiva depende das seguintes considerações:
- Quando uma firma vai mal e não consegue gerar caixa suficiente para cumprir suas obrigações com fornecedores, bancos, empregados e o fisco, é preciso antes de tudo compreender a motivação dos problemas e que ações podem ser tomadas antes de eventual corrida ao pedido de recuperação judicial. Para tanto a empresa necessita dispor de plano de negócios, com estratégia definida, monitoramento de dados que permitam enxergar o futuro no curto e médio prazo e ainda ter um corpo de dirigentes preparado para mudar o curso das coisas, sempre que necessário e pro ativamente;
- A avaliação da situação do negócio pode indicar que uma das saídas é a sua venda ou fusão com outra organização da qual possa se beneficiar de sinergias e melhor posicionamento no mercado;
- O “timing” para trilhar o caminho da recuperação judicial não pode ser perdido. Isso quer dizer que quanto antes o corpo diretivo entender a gravidade da situação menos difícil fica virar o jogo com o apoio do instrumento da recuperação judicial;
- O plano de recuperação judicial necessita ser sustentável e sua análise “realista” por parte dos devedores e credores é vital para assegurar que os compromissos sejam atendidos;
- E finalmente…cabe a execução excelente! Se o plano é bom no papel mais importante ainda é que as pessoas da organização consigam fazê-lo acontecer.
Concluindo: a recuperação judicial é um caminho, mas não necessariamente o único e infalível para a continuidade do negócio!