Nunca é demais falar sobre questões tão relevantes na governança das empresas, lamentavelmente.
O modelo de remuneração variável com base no desempenho de gestores, que visa estimular bons resultados nos negócios e “premiar” os mais competentes tem lá seus méritos, porém na vida real continuamos a observar danos importantes destruindo valor dos empreendimentos e comprometendo a reputação.
O caso brasileiro mais recente é o sucedido com o rompimento da barragem da mineradora Vale no município mineiro de Brumadinho. A tragédia, que para muitos poderia ter sido evitada, acabou com a vida de 300 pessoas entre mortas e desaparecidas e fez o valor das ações da empresa despencar mais de 24% no primeiro dia útil após o acontecimento e hoje a perda é um pouco menor (10%), mas ainda bem expressiva.
A recuperação dos preços das ações até sexta-feira (15/03), segundo especialistas, se deve em parte ao afastamento do CEO e outros gestores e também à previsão de alta no preço mundial do minério de ferro.
A partir do segundo trimestre do ano de 2017 a Vale começou importante processo de mudança quando o CEO/Presidente sr. Murilo Ferreira, depois de dedicar décadas à empresa, saiu para a entrada de outro executivo, não diretamente vinculado à indústria de mineração, o sr. Fábio Schvartsman cujo nome foi escolhido como resultado de seleção conduzido pela empresa de “hunting” Spencer Stuart. É bom lembrar que o sr. Schvartsman vinha de amplo sucesso no comando da empresa Klabin que se dedica à produção de celulose e papel.
Dentre as mudanças promovidas desde então as que mais causaram excelente impressão junto aos investidores foram as ligadas à questões de governança corporativa.
Em 22 de Dezembro de 2017 a Vale migrou para a categoria “Novo Mercado” na Bolsa de Valores de São Paulo -B3 – o que vem a ser o maior grau de governança exigido pela entidade.
Na época assim se manifestou o novo CEO sr. Fábio Schvartsman:
“O Novo Mercado possui um padrão de governança corporativa diferenciado. A listagem nesse segmento especial implica a adoção de um conjunto de regras societárias, e de governança, além da divulgação de políticas e existência de mecanismos de transparência, fiscalização e controle.
É importante lembrar que antes disso a empresa já havia aumentado o número de membros do conselho de administração passando a ter três membros independentes e, apostando em maior diversidade com três mulheres no CA.
Estas iniciativas e mais a evolução favorável do preço internacional do minério de ferro estimularam grande valorização das ações que saíram de +/- R$40,00 em Dezembro/2017 para R$57,00 em Janeiro de 2019 – incremento de 42,5%!! De causar inveja, não é?
A pergunta que fica para responder é: afinal o que deu errado culminando no desastre de Brumadinho?
Não convém palpitar e especular com resposta simples ou mesmo criminalizar os gestores da Vale de modo irresponsável. No entanto, algo se deu de errado…muito errado. Você concorda?
A primeira questão a surgir é: porque a empresa teve de buscar fora de seu corpo de executivos alguém de fora para assumir o papel de presidente? Claro muitas vezes a entrada de um “outsider” ajuda a quebrar paradigmas e adiciona muito valor ao negócio,
Ok, mas ainda fica a pergunta: uma empresa sólida e líder de mercado não conseguiu formar no seu quadro de pessoas alguém com talento e experiência para ser promovido, ou promovida, à função de presidente?
O segundo ponto é: como estava desenhada a gestão de riscos da empresa? Este desenho cobriu adequadamente os riscos identificados dando conselho de administração a certa medida para estabelecimento do “risco adequado”? Parece que não, não é? Afinal a empresa já havia enfrentado, enquanto acionista da Samarco, desastre de mesma natureza quando o rompimento de uma barragem causou mortes e grandes estragos ambientais nos estados de Minas Gerais e do Espírito Santo, certo?
Replicando texto do professor Alexandre Di Miceli em seu livro “Governança Corporativa – O essencial para líderes”: “Gerenciar os riscos empresariais constitui um processo de reflexão sistemática e estruturada a fim de identificar, avaliar e responder aos eventos que possam afetar os objetivos estratégicos da organização. É uma forma de a alta administração mostrar – por meio do levantamento preventivo, listagem dos riscos aos quais a sociedade está exposta, e definição das medidas para sua mitigação – que está cumprindo um de seus papéis fundamentais.”
Outro ponto perturbador neste sinistro da Vale é: como poderia ter o conselho de administração ajudado aos gestores executivos cumprindo o papel dos “olhos” do acionista e de outras partes relacionadas – “stakeholders”- no qual a questão do meio ambiente é tão crítico como no caso da indústria da mineração?
Dá para perceber que mesmo com doze membros no conselho de administração e ainda relativamente diversificado quanto ao perfil e experiência, a empresa não conseguiu evitar a catástrofe. Bem…é verdade que em muitos ambientes corporativos os dirigentes executivos levam ao conselho temas que dominam e os quais tem relação com o aumento do resultado financeiro. Cabe então ao conselho muita diligência adoção da prática citada no caderno de número 3 do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa) – Guia de Orientação para Gerenciamento de Riscos Corporativos”, qual seja:
“O conselho de administração deve ser o responsável por determinar os objetivos estratégicos e o perfil de riscos da organização. Definir seu perfil consiste em identificar o grau de apetite a riscos da organização, bem como as faixas de tolerância a desvios em relação aos níveis de riscos determinados como aceitáveis. O conselho de administração deve estabelecer também a política de responsabilidade da diretoria em: 1) avaliar a quais riscos a organização pode ficar exposta; e 2) desenvolver procedimentos para administrá-los”.
Outro tema que o desastre de Brumadinho trás à reflexão se refere à remuneração de executivos em geral e o modelo de meritocracia onde se destaca a remuneração variável.
O IBGC tem, já faz algum tempo, recomendado que as companhias de capital aberto divulguem de modo transparente os valores pagos a seus executivos e, individualmente. Há muita resistência no Brasil em relação a este ponto e na própria Vale duas das conselheiras independentes fizeram constar em ata da reunião do conselho a recomendação para que a empresa seguisse esta instrução/sugestão.
Quanto a remuneração variável, que faz parte deste todo a ser divulgado, a mesma tem sido prática usual nas empresas e permite de um lado promover o crescimento e lucratividade do negócio enquanto dá subsídios para premiar o alto desempenho. Não devemos ter dúvida dessas benesses do modelo de meritocracia, no entanto…
No entanto, o que se vê com frequência é o esforço dos gestores em obter resultados trimestrais acima do esperado com pouco interesse na longevidade da organização e sem considerar devidamente outras partes interessadas, além dos acionistas. São outras partes interessadas: empregados, clientes, fornecedores, governo e comunidade.
A recomendação aqui é que faça parte do cálculo da remuneração variável, além do lucro, outras métricas tão relevantes quanto.
A realidade é uma só: há muito a ser aperfeiçoado no interior das empresas para a boa governança corporativa. Caso contrário continuaremos a vivenciar a destruição de valor vez por outra.
Revisão de texto: Virgínia De Biase Vicari