O trabalho hoje e no futuro próximo

No Brasil, é extremamente preocupante o nível de pessoas desocupadas que, segundo o IBGE, no trimestre de outubro a dezembro de 2016 chegou a 12,3 milhões, correspondendo a 12% do total estimado de indivíduos acima de 14 anos que participam do mercado de trabalho. Essa é a metodologia, e esse número se compara a 6,5% em 2014 e 9% em outubro-dezembro de 2015.

A recuperação morosa do ritmo da produção e dos negócios, em geral, permite imaginar que não deve acontecer diminuição importante da taxa de desemprego/desocupação nos próximos vinte meses, ou seja, até o final de 2018. Em outras palavras, a demanda por trabalhadores, de modo significativo, só acontecerá depois que a economia mostrar sinais consistentes e sólidos de recuperação.

Em paralelo, houve grande debate no país com a aprovação da Lei 13.249/2017 que trata da terceirização da mão de obra, o que, segundo alguns críticos, “jogou no lixo” a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), prejudicando os trabalhadores com uma possível perda de direitos reivindicados e conquistados nas últimas décadas. A verdade, no entanto, é que, de fato, havia necessidade de regulamentar as práticas, eliminando a insegurança jurídica que afetava os negócios e a contratação de mão de obra.

Esses pontos próprios da situação presente no mercado de trabalho no Brasil – nível de desemprego e mudanças na legislação trabalhista – causam muita preocupação na classe trabalhadora e para aqueles brasileiros ávidos por encontrar ocupação remunerada. Entretanto, há outro componente importante que precisamos compreender: a tecnologia!

Sim, a tecnologia tem provocado alterações profundas nas questões relativas ao trabalho e ao emprego em ao menos dois aspectos:

  • Diminuição de vagas no chão de fábrica via automatização das operações, adoção de sensores, novos softwares e outras mudanças advindas do que se chama “manufatura 4.0” – releia o texto “A caminho de outra revolução industrial”, de 16 de agosto do ano passado;
  • Relações de trabalho diferentes que decorrem de um novo jeito de fazer negócios com bens e serviços compartilhados – vide Amazon, Uber, Airbnb, Waze, Netflix, LinkedIn – e outras. Estas empresas são tidas como as de crescimento exponencial. Aqui eu recomendo a leitura do livro de 2014 Exponential Organizations – na tradução livre “Organizações Exponenciais” – lançado pela HSM em 2015. Vale a pena! É outro mundo, por certo!

O advento da internet e a velocidade com que se dá a troca de informações e dados desde meados dos anos 1990, e em boa parte devido à “invenção” da “www” (World Wide Web) e das soluções em “nuvem”, promovem mudanças importantes na geração de emprego, na maneira como se estabelece a relação de trabalho, afetando também o vínculo trabalhista. O que quero dizer é que o tal do emprego com carteira assinada e o forte vínculo entre empresa e empregado parecem estar com os dias contados, ou anos contados…

As empresas tradicionais – e eu trabalhei em diversas delas – são caracterizadas por manterem a “posse” de gente, sempre buscando o resultado financeiro no curto prazo. Esse tipo de negócio, que ainda continuará a existir por um bom tempo, exige atenção redobrada na aquisição de talento humano e sua retenção, além de consumir recursos financeiros importantes para a manutenção e preservação do conhecimento técnico das pessoas e no cuidado com o comportamento e o clima organizacional.

Outro grande desafio nessas empresas tidas como tradicionais decorre da necessidade de ter força de trabalho permanente e em tempo integral vis à vis com a obsolescência do conhecimento dos trabalhadores contratados, pois, segundo estudiosos do tema, não faz muito tempo que uma habilidade adquirida/desenvolvida era um diferencial importante por trinta anos na vida do trabalhador, e hoje em dia bastam cinco anos para o novo aprendizado se tornar obsoleto.

A nova geração de empresas e de negócios originados a partir dos recursos abundantes, velozes e cada vez mais modernos da transmissão e processamento de dados e informações no ambiente da internet e comunicação ágil e interelacional é caracterizada por:

  1. Contratação de mão de obra externa e temporária sob demanda;
  2. Ênfase na discussão de ideias e soluções com grupo de pessoas multifuncionais;
  3. Boa parte do grupo de trabalhadores fazendo parte da geração Y (millennials);
  4. Obtenção de recursos para os investimentos via fundos de private equity e/ou financiamento coletivo (crowdfunding);
  5. Baixo custo – é firma “mais barata”;
  6. Crescimento é acelerado;
  7. Resultados financeiros positivos (lucro) que não acontecem no curto prazo.

Cabe a pergunta: como ficam as pessoas no contexto das empresas dessa nova geração?

Para responder a essa questão, ou refletir sobre, recorro a algumas ideias expostas por John Seely Brown, um estadunidense de 77 anos, PhD em ciência da computação pela University of Michigan que atuou também no mundo corporativo como cientista-chefe da Xerox Corporation até 2002. Ele vive próximo de onde acontecem e são geradas mais de 50% das empresas exponenciais mundo afora: no Vale do Silício, Califórnia, Estados Unidos.

Brown, que entre diversos artigos e livros escreveu A new culture of learning, tem sido referência nas discussões sobre a importância de atentarmos às mudanças no mundo dos negócios, com o advento das empresas exponenciais e suas consequências no mercado de trabalho.

Seguem alguns pontos para reflexão:

  • O ambiente de negócios mudou para uma situação onde reinam: a instabilidade, a falta de previsibilidade e ciclos de desenvolvimento de produto/serviço muito mais curtos. Nesse contexto, portanto, as empresas têm de desenhar novos modelos de organização de pessoas;
  • A imprevisibilidade exige que o aprendizado e a capacitação de pessoas aconteçam de outro modo, em adição ao que se aprende em sala de aula, mas a educação formal continuará tendo sua importância na formação básica;
  • A complementariedade do aprendizado e atualização do conhecimento será mais efetiva no conceito de trabalho colaborativo no qual as pessoas de diferentes formações e áreas se reúnem para trocar experiências com base em um desafio a ser vencido. Esse mecanismo, segundo Brown, funciona muito bem na comunidade da geração Y;
  • A interconectividade exige visão holística sobre os problemas e desafios enfrentados nos tempos de hoje, e essa é mais uma razão para explorar soluções a partir do debate entre pessoas de diferentes formações e qualificações. É importante levar em conta a interdependência e os efeitos colaterais que uma decisão promove, certo?

E como as pessoas devem se preparar para sobreviver e ter renda nesse contexto? Bem… Aqui já me valho dos escritos do livro “Organizações Exponenciais” para resumir:

  • Cuide de aprender sempre e trate a carreira como uma empresa/negócio;
  • Esteja preparado para “vender” seu talento em outras bases que não a tradicional “carteira assinada”;
  • Valorize o ambiente de trabalho no qual possa efetivamente participar de grupos multidisciplinares no debate para solução de problemas/desafios.

Como podemos depreender, ao lado das questões domésticas, como a lei de terceirização de mão de obra e o alto nível de desemprego, os brasileiros mais cedo ou mais tarde enfrentarão situações estruturais mais complicadas no mercado de trabalho.

 

Revisão de texto: Virgínia De Biase Vicari

 

 

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