A cada trimestre os bancos trazem a público os resultados financeiros obtidos no período, e aí se cria mais uma oportunidade para discutir os níveis de juros cobrados no Brasil.
Tema sensível e de discussões infindáveis desde sempre, a questão é que o segmento financeiro de fato causa inveja no que diz respeito à rentabilidade dos negócios.
Se de um lado o nível de lucratividade pode aquecer os ânimos e causar muito desconforto aos empresários e executivos do setor, é bom que os bancos ganhem dinheiro e estejam saudáveis, trazendo confiança no ambiente de negócios tanto para as empresas (PJ) como para as famílias (PF).
Afinal, qual foi o resultado dos quatro principais bancos brasileiros no segundo trimestre de 2019?
Aí vai:
- O banco Itaú Unibanco revelou lucro de R$ 7 bilhões, superando o resultado do mesmo período do ano passado em 10%;
- O Bradesco publicou lucro de R$ 6,4 bilhões, significando aumento de 25% sobre o segundo trimestre de 2018;
- O Banco do Brasil teve lucro 36,8% superior ao do ano passado, no segundo trimestre, atingindo R$ 4,4 bilhões;
- No Santander os lucros cresceram 20,2% em relação ao mesmo período de 2018, alcançando a cifra de R$ 3,6 bilhões.
É preciso reconhecer que boa parte dos resultados muito bons dos bancos, comparativamente às outras empresas e negócios nacionais, tem relação com a maneira como esses bancos são geridos.
Não há dúvida de que essas empresas têm um corpo de executivos de ótima formação e experiência, e há busca constante por aperfeiçoamento da gestão e do sistema de informações. Vale dizer que é no setor financeiro onde se encontram muitos economistas bem formados e que sabem o que fazem.
A outra questão por trás desse desempenho dos bancos se refere ao “preço”, leia-se taxa de juros, que praticam, levando em conta o nível de rentabilidade desejado, a saúde financeira do tomador do empréstimo/financiamento, e a própria demanda por crédito em geral.
Bem, se perguntarmos a qualquer empresário que não pertença ao sistema financeiro, ele irá dizer que os juros estão “pela hora da morte”. De fato, a queixa parece fazer sentido, sobretudo nestes tempos difíceis de baixíssima atividade econômica e em que os preços em geral estão deprimidos.
Há um fator também importante envolvendo o nivelamento dos juros no mercado, o que se relaciona ao nível de poupança do brasileiro.
Veja a situação brasileira, segundo dados colhidos do Banco Mundial que medem o percentual da poupança interna relativamente ao PIB:
Brasil 14,8% – 2018; 18,6% média 2010/2013
China 46% – 2018; 48,5% média 2010/2013
Índia 31,5% – 2018; 33% média 2010/2013
Rússia 31% – 2018; 28% média 2010/2013
Definitivamente, o brasileiro não poupa, e isso contribui para menor captação pelos bancos e, em consequência, menor oferta de crédito. Como sabemos, mais demanda por crédito relativamente aos fundos disponíveis afeta a precificação do empréstimo e/ou financiamento.
Outro ponto muito importante na discussão sobre o nível de juros é a concorrência que o tomador de recursos enfrenta com o governo. Sim! O governo emite títulos e com isso capta recursos para suas necessidades de capital.
Veja o quadro a seguir:
O saldo anual de créditos acima mostra que os títulos da dívida pública representaram: 32% do crédito total em 2016, 35% em 2017 e no ano passado.
O que alivia um pouco o alto custo do dinheiro para os tomadores é que parte dos recursos disponíveis no mercado na verdade são direcionados, tais como: fundos do BNDES e do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador).
Abaixo é possível visualizar a composição dos créditos no sistema financeiro conforme os demandantes (PJ e PF) e a origem dos fundos – direcionados e/ou livres.
Observando: em 2018 os recursos direcionados representaram R$ 1,5 trilhão ou 46% do total de empréstimos e/ou financiamentos.
Outro ponto importante na precificação da taxa de juros reside no nível da taxa Selic, conforme definida pelo Banco Central. Embora não haja relação direta – em proporção e no momento da mudança das taxas praticadas pelos bancos – é fato que ao longo do tempo a taxa Selic tem impacto nos juros cobrados em operações de crédito envolvendo os recursos livres, por exemplo.
O quadro a seguir mostra o comportamento das taxas de juros médias praticadas no mercado para operações de crédito PJ de curto prazo e a taxa Selic:
A boa notícia aos tomadores de crédito nesse momento é que há tendência de diminuição mais acentuada da taxa Selic – em agosto/2019 é de 6% a.a. – e o último boletim Focus prevê que, ao final do ano, baixe para 5%.
No médio prazo será possível posicionar a taxa de juros de recursos livres em níveis, digamos, mais civilizados. Porém, como vimos, a baixa taxa de poupança e a disputa por recursos com os cofres públicos (títulos da dívida) e ainda a taxa Selic definida com juro real – acima da inflação – inibem acesso a crédito a custos mais condizentes com a atividade produtiva e a rentabilidade nesta possível de aferir.
Recentemente, o Ministro da Economia, Sr. Paulo Guedes, comentou que os bancos brasileiros convivem sem concorrência plena. Ele tem lá suas razões, pois é possível contar nos dedos de uma mão quantos são eles.
Concordo e penso essa concentração não é saudável e estimula certa “cartelização” no setor. De todo modo não há solução de curto/médio prazo, então a possibilidade de diminuição da taxa de juros devido à concorrência entre os bancos simplesmente não existe.
Nessa questão de concentração bancária, o aparecimento de diversas empresas “Fintechs” pode, no futuro, exigir certo “sacrifício” nas margens esperadas/praticadas pelos bancos. Isso é o que se espera aconteça.
Quanto às empresas tomadoras de crédito, uma alternativa de custo razoável – o balizamento das taxas por lá estão mudando – é BNDES. A questão aqui é que a fonte secou, ou seja, o BNDES não pode mais contar com recursos do Tesouro Nacional e assim tem sido bem mais modesto na oferta de crédito, como mostra o quadro a seguir:
As melhores recomendações que se pode fazer ao empresário e/ou executivo (a) responsável pelo negócio são:
- Gere bem seu negócio a ponto de mitigar demanda por crédito para o curto prazo;
- Se tiver necessidade, estude alternativas no “pacote” de crédito direcionado, onde as taxas de juros e condições de amortização são mais interessantes;
- Caso precise de recursos para ampliação de negócios e/ou expansão e modernização de fábrica, busque recursos no BNDES, mas também veja oportunidades de captar no mercado de títulos (debêntures), por exemplo. Às vezes é chegado o momento de ter mais sócios, ou não?
Não há dúvida que os lucros dos bancos aguçam a discussão sobre os níveis das taxas de juros no mercado, porém é preciso separar o joio do trigo uma vez que, como vimos, há vários fatores que contribuem para a precificação do crédito.
O melhor é não depender de banco? Talvez, mas isso não é tão fácil de acontecer.
Revisão de texto: Virgínia De Biase Vicari