Competitividade e o modal brasileiro de transporte

No primeiro semestre deste ano vivenciamos em nosso país um sério problema de abastecimento decorrente da famosa greve dos caminhoneiros

No período de dez dias, de 21 a 30 de maio, houve verdadeiro caos na malha rodoviária com a parada da frota de caminhões de transportes tanto dos motoristas autônomos como das empresas de logística. Em seu pico, a greve levou à falta generalizada de combustíveis nos postos; diminuição da disponibilidade de alimentos nos estabelecimentos comerciais, além de efeitos colaterais complicados na área de saúde (falta de insumos em hospitais, por exemplo) e no transporte aéreo de passageiros e de cargas.

De sobra, o desabastecimento causou elevação geral dos preços no varejo e no atacado, aumentando a inflação medida pelo IPCA e em junho este índice chegou a 1,26% com impacto importante na inflação acumulada de doze meses o que pôs por terra qualquer possibilidade de o índice fechar o ano de 2018 abaixo de 4%. Na verdade, as estimativas mais recentes indicam IPCA anual de 4,5% no encerramento do mês de dezembro.

A crise só foi debelada após interferência do governo federal, exigindo da Petrobrás redefinição da política de preços de reajustes dos combustíveis e o próprio Tesouro Nacional vem pagando a conta, subsidiando parte da contenção de preços da empresa estatal. E mais: o governo tabelou o frete, tirando do mercado a possibilidade de negociar livremente o nível de preço dos fretes.

O que se observa hoje, depois de quase seis meses da greve geral, é a necessidade de revisão das medidas tomadas sem, se possível, ocasionar outra paralização dos transportes rodoviários.

Todo esse imbróglio fez ressuscitar as discussões acerca da enorme dependência que o Brasil tem do transporte de carga pelas estradas que cruzam este imenso território. A discussão, claro, não é recente. Tenho lembrança muito boa de nas eleições de 1974 para o Senado Federal com candidatos mostrando no horário político o distorcido modal de transporte no país e as soluções para ajuste.

Bem, isso foi há mais de quarenta anos e, como sempre, as crises econômicas e o estado de penúria dos orçamentos públicos – nos três níveis: municipal, estadual e federal – acabaram por inibir maiores investimentos em outro modais como o ferroviário e o aquaviário, por exemplo. E pior: hoje as estradas brasileiras com mais de 105.000 quilômetros possuem, segundo dados do Ministério dos Transportes/CNI,  mais de 38% delas em condição ruins e/ou péssimas.

O modal brasileiro de transportes e sua deficiência provocam perda de competitividade nos negócios – agronegócio, comércio e indústria – e geram inflação interna afetando a qualidade de vida dos brasileiros.

O efeito negativo na atividade empresarial brasileira, além dos custos dos fretes, também se faz sentir no modelo de negócios o qual precisa se adequar no carregamento de mais estoques ao invés da adoção da filosofia just in time, exigindo mais recursos alocados em capital de giro e, em consequência, elevando as despesas com juros.

De fato, não é a primeira vez que tratamos da questão aqui no blog Senhor Gestão do ineficiente modal de transportes brasileiro. Caso tenha interesse, faça uma releitura de dois outros textos: “O nós da logística”, de dezembro de 2014, e “A infraestrutura brasileira apoiando a excelência na logística”, de maio de 2015.

Lamentavelmente, não há solução no curto ou mesmo no médio prazo quanto ao atual “mix” da malha de transportes – terrestre (rodovias e ferrovias), marítimo e fluvial. A solução toma tempo, exige discussão aprofundada das saídas para esse problema complexo, vontade política para correção de rumo e busca de recursos para financiar a expansão das vias de transporte e sua modernização.

Como um novo governo se inicia, nos níveis estadual e federal em janeiro/2019, esperamos que os novos ocupantes de cargos executivos coloquem na agenda prioridade para encaminhar soluções consistentes no tema.

A solução de recursos para melhorar o modal de transporte, lógico, passa por concessão e privatização da malha, ou seja, transferir para as empresas por conta; risco e lucros, a gestão da malha. Isso mesmo…não há como “convidar” o capital privado a participar da solução sem que se dê a ele a oportunidade de ganhar dinheiro. Óbvio!

Não se fala aqui então da solução de curto/médio prazo para que a matriz de transporte diminua a participação do transporte rodoviário dos 65% de hoje para 50%, o que seria muito bom.

A questão está agora no curto prazo, em como mitigar a reincidência da greve dos caminhoneiros sem prejudicar a atividade empresarial – agronegócio, comércio e indústria – uma vez que o tabelamento dos fretes e o “financiamento” pelo Tesouro à Petrobrás não podem durar para sempre.

Vamos aguardar como o governo federal enfrentará a questão no início do ano que vem.

No caso do tabelamento dos fretes os gestores e as empresas já estão tomando as iniciativas que têm ao alcance. E quais são elas?

Segundo divulgação pela CNI – Confederação Nacional da Indústria – veja qual é o posicionamento estratégico hoje:

  • 90% das indústrias perceberam aumento médio nos fretes de 12%. Sendo 11,6% em matérias-primas e insumos e outros 12,2% em produtos acabados;
  • 60,5% das indústrias pretendem ou já estão adotando:
  1. 37,3% delas irão transferir a responsabilidade da coleta para o comprador e/ou cobrar pelo frete na entrega;
  2. 27,4% estudam adquirir, expandir e/ou alugar frota de caminhões leves e/ou pesados;
  3. 21,6% deve migrar ou já está migrando a contratação de frete dos caminhoneiros autônomos para transportadoras;
  4. O restante estuda diminuir ou suspender rotas para algumas regiões.

De algum modo, os ajustes serão feitos com influência tanto nos negócios no mercado interno como nas exportações, assim também para a população que, em última instância, paga o preço pela ineficiência do modal brasileiro de transportes.

Revisão de texto: Virgínia De Biase Vicari

 

 

 

 

 

 

Posts Recentes